4 de dezembro de 2012

Cine Avenida

Existiram em Manaus três cinemas Avenida. O primeiro durou apenas meses entre 1908-09; o segundo marcou presença em 1912; e finalmente, o mais conhecido pela sua duração e progresso, pois foi inaugurado em 1936 e desapareceu, compelido pela energia da TV, em 1973. Curiosamente, todos tiveram endereço na mesma artéria, na avenida Eduardo Ribeiro, ao longo de dois quarteirões.

A sala de exibição denominada Cinema Avenida, localizou-se junto ao famoso “Canto das Novidades”, de Andrade, Santos & Cia., (onde estiveram, pela ordem, o Bar Americano, a agência do banco Credireal de Minas Gerais e, atualmente, o C & A). Funcionou de 28 de novembro até o início de dezembro de 1909, e esteve equipada com projetores da Pathé-Fréres e Gaumont.

Três anos depois, ao lado do “Restaurant Français” (mais tarde, Bar e Sorveteria Avenida e, atualmente, Bradesco), a 20 de outubro de 1912 foi inaugurado o segundo Cinema Avenida, de J. Moraes & Cia. Empregava a orquestra regida por Landry, Campos e Pagani. Tal qual o antecessor, este também teve existência meteórica, encerrando definitivamente em janeiro de 1913.

O 3º Cine Avenida

Somente em 1935, os sócios Antônio Lamarão e Aurélio Antunes fundaram a empresa Cinema Avenida Ltda. Para isso, a empresa adquire o edifício de nº 427 da famosa avenida, onde funcionara a Manáos Arte (1926-1934), para nele instalar a sala de cinema que receberia o nome de Avenida. O estabelecimento pertencia a firma J. G. Araújo & Cia. (casa especializada na venda de artigos fotográficos, projetores Krupp Ernmann e Pathé Baby, bicicletas, pneus e representação dos automóveis Willys).

A 1º de dezembro, Lamarão inicia as obras de reforma e adaptação do edifício. Reconstruído com luxo e conforto, a pré-inauguração do cinema foi realizada à 26 de março de 1936. O evento ocorreu às 21h, em sessão especial para imprensa e autoridades, com a exibição do filme americano Voando para o Rio, estrelado pela atriz mexicana Dolores Del Rio (1905-1983), Fred Astaire (1889-1987) e Ginger Rogers (1911-1995). 

Equipado com o “moderno” sistema de projeção Wide Range, da Western Electric, que combinava som e imagem, o Avenida foi o segundo (Alcazar, o primeiro no início dos anos 30) a usar esse processo, denominado de Movietone. Dispunha de 642 lugares e, na estreia, cobrou o ingresso a 3$200 (três mil e duzentos réis). No dia 27 de março, o cine Avenida foi oficialmente aberto ao público.

Denominado pelos jornais como o “Cinema da elite manauense”, o Avenida logo se tornaria o preferido da cidade, e famoso também pela presença constante do casal Aurélio Antunes, acompanhando o movimento da bilheteria, e da sua esposa, Maria Amélia Cezar Antunes, a dona Yayá.

Tradicionalmente usando seu vestido tubinho florido e os longos cabelos negros amarrados atrás, dona Yayá era uma atração à parte. Seja pelo jeitão espalhafatoso, seja pela maquiagem exagerada que a caracterizava, com isso tornou-se bastante conhecida pelos frequentadores do Avenida. Dona Yayá contava trechos dos filmes em exibição, visando atrair os mais hesitantes em entrar, em especial, as normalistas do Instituto de Educação. Sobre essa personagem carismática, o saudoso senador Jefferson Peres (1932-2008), em seu livro Evocação de Manaus, traça um breve perfil:

“No Avenida, além do dono, tínhamos também a presença diária, obrigatória, inarredável, de sua esposa, d. Yayá. Sempre com o rosto pintado de batom e ruge de tom arroxeado, lá estava ela, infalivelmente, em todas as sessões, sentada numa poltrona de palhinha, no hall de entrada, ou debruçada no gradil, ao lado da borboleta. Às vezes, ficava à porta, procurando aliciar espectadores com a recomendação: Entre, o filme é ótimo! E ante a incredulidade do interlocutor, acrescentava: É colorido! Para ela uma prova irrecusável de boa qualidade.”

Para comemorar o 1º aniversário: Os últimos dias de Pompéia e O Picolino

Para comemorar o primeiro aniversário, o Avenida exibiu dois filmes distribuídos pela R.K.O. Rádio Pictures do Brasil: Os últimos dias de Pompéia e O Picolino. Este, um musical estrelado pela dupla de atores-bailarinos Fred Astaire e Ginger Rogers.

Em setembro de 1937, informava o Diário Oficial que a empresa solicitara ao Governo o arrendamento de um terreno no bairro de Educandos. Situado nas proximidades da conhecida Baixa da Égua, destinava-se à construção de um cinema (no local iria funcionar mais tarde o Cine Vitória).

No final de 1937, retirou-se da empresa o sócio-fundador Antonio Lamarão, e foi substituído por Antonio Relvas Júnior e Adriano Bernardino. Nesse mesmo ano, a empresa passou a fornecer filmes para o vizinho município de Itacoatiara. E, no ano seguinte, a mesma arrenda o prédio onde funcionara o cine-teatro Alcazar, que o reforma e realiza sua nova inauguração a 6 de agosto, agora com a denominação de Cine-Teatro Guarany.

Em 1942, Adriano Bernardino assume o controle majoritário da Empresa Cinema Avenida Ltda., alterando a razão social para Empresa de Cinemas A. Bernardino & Cia. Ltda.

Sessão Chic das Moças

Nas noites de sexta-feira, o cine Avenida promovia a “Sessão Chic das Moças”, rodando filmes adequados aos valores comportamentais da sociedade manauara: A Noiva, Suplício de uma saudade, Três dias de vida, O Coração não envelhece e Sonho de Estrelas, só para exemplificar. Essa sessão era especialmente frequentada por casais enamorados.

Para ampliar o conforto, em fevereiro de 1954, a Empresa Bernardino instalou cadeiras estofadas no cine Avenida. Mas, apesar de ostentar o título de “cinema da elite”, nele havia somente ventiladores de teto e, ao contrário de outros cinemas de Manaus, não possuía palco para a realização de espetáculos.

Em agosto, o técnico Mario Schneider, da Companhia Black de São Paulo, instalou no Avenida a tela panorâmica e os projetores da marca “Gaumont-Keller” (os existentes neste cine foram montados no cine Vitória). A estréia da tela panorâmica, marcada para 7 de setembro, ocorreu na 2ª quinzena desse mês, devido o atraso na chegada do filme Luzes da Ribalta, de Charles Chaplin.

Em 1955, veio mais um melhoramento na luxuosa sala da av. Eduardo Ribeiro: a instalação do “cinemascope”. A estréia sucedeu na noite de 16 de julho, apresentando O Príncipe Valente, com James Mason e Robert Wagner.

“O sistema proporcionava maior raio visual, emprestando à película maior campo de ação e permitindo, igualmente, a apresentação, em primeiro plano de tantos atores quantos a cena requer e, de modo simultâneo, uma vista panorâmica de ação filmada”
Jornal do Commércio (Manaus, 14.7. 1955).

A 18 de agosto de 1956, faleceu no Pará o fundador da empresa, Antonio Lamarão. Na igreja de D. Bosco, foi rezada a missa de 30º dia, encomendada por seus amigos e ex-sócios, Adriano Bernardino e Aurélio Antunes.

Todos os anos, em 27 de março, a empresa Bernardino comemorava o aniversário do cine Avenida, exclusivamente com a exibição de filmes. No 21º aniversário desta sala, o jornal A Gazeta (Manaus, 27.3.1957) destacou:

“Ponto obrigatório de freqüência da melhor sociedade amazonense, que dirigentes da Empresa, para brindar seus clientes, o aniversário do Cinema AVENIDA, por isso mesmo, é uma efeméride que leva satisfação e alegria também aos seus freqüentadores, aos quais a empresa proprietária, numa justíssima homenagem, pela preferência, brindará durante todo o dia de hoje, com um excelente programa de muito bem escolhidas películas.”

No período de 17 a 22 de novembro de 1966, foi realizado em Manaus, o I (e único) Festival de Cinema Amador do Amazonas, patrocinado pelo Clube da Madrugada, J. Borges Filmes, Rádio Rio Mar e A Crítica. O encerramento ocorreu na noite de 21, no cine Avenida, em sessão especial para convidados.

“Contrariando as previsões de que só teria sucesso de bilheteria nos cinemas suburbanos, o filme “Paixão de um Homem” levou ontem, ao Cinema Avenida (em plena Eduardo Ribeiro), uma das maiores enchentes já recebidas por aquela casa. O principal figurante da película é o discutido cantor Waldik Soriano, que, com o chapéu e o óculos que marcam a sua personalidade fez a fila do “Avenida” atingir a Rua Joaquim Sarmento.”

A comissão julgadora do I Festival de Cinema Amador era composta por: Madalena de Almeida (Jornal do Brasil); Décio Luiz (da J. Borges Filmes e TV Continental); Padre Luiz Ruas (1931-2000) e José Gaspar (1937-). Saiu vencedor do Festival o curta-metragem Carniça, de Normandy Littaiff, sob protestos dos demais participantes.

Tal qual sucedeu a outros cinemas da cidade, a televisão afastou o grande público. As chanchadas nacionais foram substituídas pelos faroestes italianos, conhecidos popularmente como “Western Spaghetti”: Viva Django, Os Abutres têm fome, 7 Dólares ensangüentados, A Marca da forca, etc. O baixo custo no aluguel dessas fitas ainda garantia pequena lotação aos domingos.

Em outubro de 1971, a comissão formada pelos vereadores Francisco Flores, Aluizio Oliveira e Praxíteles Antony, visitou os cinemas da cidade e constatou vários problemas. Entre esses, a falta de higiene, conforto, conservação e segurança. Consultados os proprietários, todos alegavam os mesmos motivos: um, a televisão, que afugentou os freqüentadores; outro, o ingresso a Cr$ 1,50 (um cruzeiro e cinquenta centavos), mais barato que o cobrado nos cinemas do Sul, que cobravam entre quatro e cinco cruzeiros. Mais dois, as cadeiras quebradas pelos espectadores; e a exigência de ingressos padronizados pelo INC, impostos etc.

Em junho de 1972, a Prefeitura de Manaus determina o fechamento de todos os cinemas da cidade, exceto o Avenida. O INC, por seu delegado regional, Afonso Lopes, diverge da Comuna, por entender que cabia à entidade o serviço de fiscalização das casas de diversões. O cine Avenida apesar da crise, ainda desfrutava de boa frequência, como atesta o Jornal do Commércio (27/02/1973).

A 16 de março de 1973, o controle acionário da A. Bernardino passou para o grupo Phellipe Daou. Daou cogitou montar ao lado do cine Avenida uma espécie de cinema-modelo: Cine Hora, equipado com bastante luxo e conforto e capacidade para 200 ou 300 lugares. Esse projeto, todavia, não se concretizou.

A campanha encetada pela Prefeitura já havia ocasionado o fechamento de quase todos os cinemas da cidade. Ainda resistiam o Avenida, o Guarany e Ipiranga. A agonia do “fecha ou não fecha” do Avenida prolongou-se até o encerramento de suas atividades na noite de 2 de julho de 1973. Projetou nessa noite o filme Fugindo do Inferno. Lamentou A Crítica:

Manaus hoje deve estar regredindo, pois todos os cinemas foram fechados, seja por qual for o motivo, isso significa uma grande perda para a população. Os cinemas Polytheama e Éden fecharam no último fim de semana. O Avenida ia continuar por mais algumas horas. Ontem chegou a sua vez. As placas com os cartazes desapareceram. A porta ficou fechada e o movimento cotidiano em frente àquela casa de diversões acabou. Tudo ficou no maior silêncio e dentro do prédio, um empregado cuidava da limpeza para conservar a casa.

A seguir, o imóvel foi vendido para a firma Benchimol, Irmãos Cia Ltda., que ali instalou mais uma loja de eletrodomésticos.

* Surrupiado do blog de Roberto Mendonça, com texto de Ed Lincon, que sabe tudo e prepara um livro sobre os cinemas de Manaus.

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7 comments
  • Nazareno Freire

    Me lembrei da Dona Yayá sempre elegante, pois freqüentei muito o Cine Avenida na minha infância pois morava na Rua da Instalação.

    4 de dezembro de 2012 17:10 || Responder

  • Ed Lincon Barros

    Boa noite. sou o autor do texto sobre o cinema avenida. Gostaria que vc colocasse o meu nome no alto para identificar a autoria do mesmo. Muito obrigado.

    13 de janeiro de 2013 19:23 || Responder

  • Gomes

    Gostei muito do texto, não conhecia a história sobre o cinema Avenida (nem sabia que existia), até porque tenho 27 anos, acredito que foram bons tempos pra se viver,

    14 de janeiro de 2013 21:02 || Responder

  • Carlos Augusto Nobre Rodrigues

    Vendo a foto de dona Yayá, me levei à decadas de 60 e 70, quando estudava no IEA, e ficava esperando as quintas-feira, para assistir a seção das 15:00hs, no Cine Avenida, onde nos encontrar com a namoradinhas, me recordo que assisti alí, Romeo e Julieta, agagradinho a minha namorada Emilia.

    5 de fevereiro de 2013 09:43 || Responder

  • AUGUSTO JORGE FERREIRA LIMA

    Tenho sempre na memória meu primeiro filme “King Kong” assistido no Cine Avenida na decada de 70. Não me recordo o ano mas creio que foi em 72 ou 73, lá pelos meus 8 ou 9 anos de idade. Muitas saudades. Parabens Zamith.

    29 de janeiro de 2015 08:35 || Responder

  • isaac benchimol

    Tenho 71 anos,quase choro quando le esta materia sobre Cine Avenida.
    Lembro bem quando o preço subio acho para C$18,00,seu Aurelio tinha problema com troco então me propus a conseguir trocado de C$1,00
    para cada C$20,00 eu ganhava uma entrada que depois eu negociava,bons tempos nosso
    Manaus,que não voltam mais,Cine Guarany do
    vôvô Vasques,e por ai vai.
    Agradeço este espaço para eu externar minhas
    lembranças,SAUDADE,
    Isaac

    8 de fevereiro de 2015 18:55 || Responder

  • Jéssika Santos

    Me admirei com seu blog, e praticamente amei tudo nele. Eu admiro muito a historia do nosso Estado, e lendo sua publicações eu viajo e tento imaginar como seria viver nessa época.

    19 de agosto de 2015 00:12 || Responder

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